Uma incursão e um tributo ao azeite de Portugal

portuguese DOPEste post na verdade não é um tema de saboaria e sim um tributo caloroso que faço ao azeite de Portugal e a sua gente!
De uma análise técnica de saboaria, se converteu em algo mais amplo e importante que são os méritos e os benefícios do azeite para a saúde e bem estar das pessoas.

Sempre me incomodou algumas incertezas que advém qdo se fala do sabão 100% de azeite, o sabão historicamente chamado de sabão de castela, ou castilla ou castile. Esse sabão de Castilla dos reinados da Espanha, foi levado ao reino de Castilla pelos mouros lá pelo século XIII que por sua vez pegaram do sabão de Aleppo o ancestral pai e mãe de todos os sabões históricos, que na falta do óleo de bagas de louro, fizeram o 100% azeite. Mais ou menos duzentos anos depois esse sabão deu origem ao famoso sabão de Marselha.

Esse sabão de Castilla já nao existe mais faz muito tempo e o de Marselha está definhando, infelizmente. São processos a quente, o chamado full boiled, com salinização e retirada da glicerina. Hoje é feito artesanalmente por cold process, um processo totalmente diferente do que era feito, que produz sabão estruturalmente diferentes e mais frágil. Não temos testemhunho de como era o original Castilla, mas podemos referenciar o de Marselha, este nao baba e gelefica como o feito por CP.

Hoje em dia não existe saboaria industrial e nem artesanal mais evoluida que faça este tipo de sabao porque nao teria mercado. O sabao tem deficiências sobejamente conhecidas – pouca espuma e espuma miúda, fica mole quando molhado e no caso do artesanal (CP) baba muito qdo nao gelifica (dissolução). A falta de espuma farta e grande fez com que os fabricantes de Marselha começassem a colocar óleo de coco em tal quantidade que o rei de França baixou decreto estabelecendo o mínimo de 72% de oliva para continuar a ter denominação de sabão de Marselha. O artesanat de saboaria nos USA denomina esse castilla com coco, de Bastile, etimologia de bastard com castile.

Mas retomando ao o que comecei a dizer, me intriga o porque alguns saboeiros de Portugal afirmam que o sabao 100% azeite que fazem nao tem os defeitos mencionados e alguns só fazem este tipo de sabão. Resolvi analisar em certa profundidade para buscar o que chamo de elo perdido, se é que existe, do porque, a razão.

É bem simples, como é um sabão de um único óleo, o oliva, fica fácil trabalhar com essa única variável. A pergunta a buscar seria – a performance do sabão 100% azeite depende do azeite usado? Para responder essa pergunta fiz uma incursão ao mundo do azeite de Portugal. Fiquei encantado com o que descobri! Não em termos de utilidade para a saboaria mas bem mais amplo e importante, o mérito do azeite de Portugal para a saúde e bem estar das pessoas.

Sempre ouvi dizer da ótima qualidade do azeite de Portugal mas sempre levei com reserva este tipo de comentário porque a verbe nacionalista é sempre exacerbada e nem sempre corresponde à verdade.
Hoje falo com a maior tranquilidade que de fato o azeite de Portugal é o melhor do mundo! Não sou um conhecedor de azeite, nunca fui, mas na minha ótica química, analisando a constituição e a composição dos óleos de oliva, é possível inferir a qualidade e o impacto na saúde dos consumidores.

Portugal tem uma produção que corresponde a aproximadamente 2% da produção mundial e tem anos que não supre o consumo interno e a exportação, sendo necessário a importação. As oliveiras estão presentes na paisagem portuguesa por milênios, recente foi mostrado uma oliveira de 2450 anos de idades em terras alentejanas de Monsaraz e algumas outras de um milênio, no mesmo sítio.

Oliveira de 2450 anos em Monsaraz

Oliveira de 2450 anos em Monsaraz

Os fatores que afetam a qualidade do azeite são: a variedade, o estágio de maturação, condições ambientais, práticas de cultura, método de extração do óleo, etc, sendo o mais importante a variedade da oliveira. Em Portugal existem duas dezenas de variedades de oliveira sendo as mais importantes as que constam na tabela abaixo, produzidas nas 7 regiões DOP – Denominação de Origem Protegida, como mostrado na figura acima.

portuguese olive oil fa

Está mais do que provado em inúmeros trabalhos científicos que os ácidoa graxos monoinsaturados, no caso o ácido oleico (C18:1) fazem bem ao coração, somados aos efeitos do compostos fenólicos presentes no oliva. Todos os azeites portugueses destas DOP tem acima de 70% de ácido oleico, destacando a varidade Verdeal Trasmontana com mais de 80%. Aqui já temos o indício da excepcional qualidade do azeite português.

E agora, como fica em termos de sabão?
Existe uma diferênça significativa do teor de linoleico (C18:2), um ácido graxo poliinsaturado. A maioria das variedades possuem teores abaixo de 6% e somente as variedades Cobrançosa com 8 % e a rara variedade Madural com 13% ambos de Trás-os-Montes, tem reores acima dos 6%.
Minha análise não foi conclusiva pois carece de experimentações, e lanço aqui um desafio aos amigos portugueses – será que tem diferênças no sabão 100% azeite feito com azeite da variedade Cobrançosa versus um sabão feito com a variedade Verdeal, ou melhor, entre Trás-os-Montes e Alentejo?
Lembro que a poliinsaturação nos óleos compromete a dureza e está relacionado também a baba e gelificação ao contato com a água.
O fato inegável é que existe uma diferênça na composição dos ácidos graxos das várias variedades de oliva produzido em Portugal, resta comprovar se essa diferênça tem impacto ou não nas propriedades do sabão 100% azeite.

Interessante notar que nas calculadoras da Soapcalc e da Mendrulandia, o padrão estabelecido do teor de linoleico é de 12%, com certeza nao foi baseado no azeite português.

Alguém deve estar perguntado, mas como fica esse azeite português comparado com outros, por exemplo, o azeite produzido na Espanha?
Vamos ver a tabela abaixo:

olive oil fa composition wwSim, surpresa? Aqui está a comprovação de que o azeite de Portugal pode ser considerado o melhor do mundo!

Como referência de um olival e produção de azeite em Portugal, cito este que seguidamente vem ganhando premios internacionais e já ganhou o de melhor azeite do mundo, a Risca Grande, no Alentejo, em Beja. Uma empresa modêlo, com gestão moderna e estimulante, com práticas benchmark e um GMP exemplar:
http://www.riscagrande.com/

Obrigado a todos!

14 ideias sobre “Uma incursão e um tributo ao azeite de Portugal

  1. Olá Roberto!
    Conforme referi num post, trabalho apenas com azeite extra virgem de pequenos produtores da zona de Beja, Alentejo.
    Pessoalmente estou encantado. Não constato nenhuma dessas anomalias que dizem ter o sabão 100% oliva. Não sei se é o melhor do mundo, mas desde que comecei a trabalhar com ele, não voltei a trabalhar com outro.
    Tenho sabonetes de excepcional de qualidade.

    • Miguel,
      Eu entendo o que está dizendo! Foi isso que me motivou a procurar algo com os azeites, que originou o post.

  2. Muitos parabéns por esta recolha magnífica! eu produzo o meu sabão com azeite essencialmente cobrançosa mas também há bastante verdeal por aqui. Nunca comparei com a variedade Alentejana mas já tinha notado que com a variedade verdeal o traço é atingido mais facilmente e com a cobrançosa o sabão baba menos, foi um acaso que verifiquei isso. Vou tentar arranjar Alentejano para ver se há diferenças.

    • Delmar,
      Muito obrigado!
      Que informação preciosa trás essa sua observação.
      Muito interessante fazer este comparativo com azeites do Alentejo

  3. Já fiz sabão 100% com orujo “la Masía” (espanhol) e com orujo “Figueira da Foz” (português). A olho, não detectei diferenças. E acho, em termos de sabão caseiro, difícil obter sabões com diferenças mais visíveis, pois normalmente há misturas de variedades e, em alguns casos, mistura de orujo com virgem e/ou extra-virgem.

    Acho que o “defeito” do óleo de oliva é a falta de ácido láurico, o que costuma ser suprido com adição de óleo de coco. E esse “defeito” parece ser comum a todas as variedades.

    Quanto à qualidade do azeite, um falecido tio que nasceu na região de Andaluzia (Espanha) e cuja família cultivava oliveiras, disse-me que, comparando-se duas marcas com teores de acidez semelhantes, o que mais diferenciava um azeite do outro, independentemente de sua origem, variedade e blend, era sua “idade”. Segundo ele, quanto menos tempo entre a fabricação e o consumo, melhor o azeite. E eu mesmo pude comprovar parcialmente isso quando experimentei o azeite “Punta Lobos” (Uruguai). Nesse sentido, se os poucos produtores brasileiros conseguirem boas safras, conseguirão oferecer azeites mais frescos que os do Mercosul e da Europa.

    O interessante é que esse tio dizia que na casa dele tudo era cozinhado com banha. Inclusive a bacalhoada. O azeite era usado frio e adicionado diretamente no prato. Se for uma prática comum, isso derruba totalmente a tal da “dieta do mediterrâneo” imposta pela mídia, que diz que se deve usar azeite até para fritar ovos.

    • Luis Carlos,
      Excelente observações
      Verdede, ao contrário do vinho, quanto mais novo é o azeite, melhor é a sua qualidade.

  4. Professor, fantástico trabalho de pesquisa sobre os melhores azeites mundiais. E como é sabido o Brasil vem ai na produção ( ainda que modesta ). Acredito que a empresa EPAMIG foi a que introduziu a oliveira no Brasil. Duas regiões merecem destaques, Cachoeira do Sul RS e Maria da Fé MG. O azeite produzido em Maria da Fé merece uma atenção especial pela sua Alta qualidade devido a região pelo seu Clima, Solo, Altitude etc.. Em breve acredito que vá figurar entre os melhores azeites do mundo e porque não entrar nessa lista de Rankeados.

  5. Verifico que, no caso dos azeites espanhóis, salvo erro meu , falta uma variedade muito importante na “província” de Jaén que é a variedade PICUAL, com 78,4% em ácido oleico, bem como a Cornicabra, com 77,1. No caso da Picual, a estabilidade é de 119,4 (horas a 98,8 ºC)

    • Alda,
      Ótimo! O trabalho de onde retirei a informação, só analisou as variedades que constam na tabela.
      Obrigado pela sua contribuição

  6. Bom dia Roberto. Antes de mais, bem haja pela generosidade das suas partilhas. Desejo-lhe as melhores felicidades e espero que volte brevemente a Portugal, pois adoraria frequentar o seu workshop! Sou novata, só faço sabonete corporal há 3 meses mas 100% azeite já fiz e correu muito bem. O sabonete tem espuma fraca e cremosa, fica bem duro e não derrete excepto fique de molho na água. Fico por isso surpreendida quando as fontes brasileiras falam de dificuldade com o Castela. Na minha opinião, a dificuldade deve-se ao tipo de azeite que se usa. Eu uso extra virgem, o mesmo que uso na alimentação. Aliás não sabia que existia gordura de caroço da azeitona. Nunca vi à venda em Portugal. Também costumo comprar o meu azeite no lagar e há anos em que é feito com a minha azeitona. Sei que o bagaço não é lá processado. E só agora descubro que daí se extrai gordura. De facto trata-se de óleo de bagaço de azeitona e não de azeite. São produtos diferentes. Será que isso explica a diferença nos sabonetes de Castela?

    • Fernanda,
      Esse tipo de óleo de oliva existem em vários lugares, é a última etapa de extração do azeite, é um óleo extraído com solventes e provém do bagaço das azeitonas, incluindo o caroço. é usado com óleo comestível principalmente em cozinha industrial. Se chama Pomace em inglês, Orujo em espanhol e Sanso em italiano.
      No sabão não existe diferença evidentes de performance das propriedades, a composição dos ácido graxos do Pomace e do Extra Virgem, são iguais.

    • Olá Fernanda,
      Grata pelo seu comentário, e ao Roberto também claro!
      Eu procuro um produtor onde possa comprar o pomace, o oleo do bagaço, será que a Fernanda pode me indicar algum?
      Vivo na ilha da Madeira, daí a minha falta de conhecimento.
      Um abraço
      Susana